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Alertas verdes e vermelhos na recuperação económica de Portugal

A ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável analisou cada uma das propostas contidas nos diferentes eixos estratégicos do documento relativo à “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030”, e deu luz verde a 36, assinalou 40 e uma a laranja como necessitando de reforço/complementação ou contendo aspectos necessariamente a corrigir e deu sinal vermelho a nove, que representam, claramente, erros estratégicos que poderão atrasar o caminho de Portugal rumo à sustentabilidade.

Em comunicado, a associação ambientalista salienta que na visão desenvolvida por António Costa Silva reconhece as diferentes crises que afectam o planeta, com destaque para a crise climática, o reconhecimento da necessidade de alterações estruturais e profundas na sociedade e a prioridade dada a um conjunto de investimentos que deverão ter por base a descarbonização através das energias renováveis e da eficiência energética, na ferrovia, na promoção de cidades mais sustentáveis, e num desenvolvimento mais equilibrado do interior valorizando os serviços dos ecossistemas.

Mau grado, segundo a ZERO, a visão subjacente a todo o documento assenta no modelo económico tradicional, vigente desde o fim da segunda guerra mundial, de consumo generalizado e crescente, estando focada, na sua maioria, na garantia da oferta de recursos e respectivos serviços (energia, minerais e metais), e não da economia da procura, que forçosamente aponta e desenvolve a eficiência no uso e na alteração dos padrões de consumo. Esta é talvez a ideia do documento que merece uma análise mais crítica, que justifica muitas das soluções apresentadas (e.g. aumento da extracção de minérios, incluindo no fundo do oceano), e que falha numa visão inovadora e sustentável para Portugal.

De acordo com a ZERO, o documento falha ao não preconizar uma transformação sistémica, necessária e desejável do funcionamento da sociedade, nomeadamente não pondo em causa a essência do modelo de crescimento económico baseado num consumo de recursos e numa pegada ecológica acima do suportável em detrimento da suficiência; mantendo um conjunto de condições que são mutuamente exclusivas ou contraditórias que sabemos pela prática não serem seguidas, nomeadamente apostando numa forte reindustrialização e na exploração de recursos minerais à superfície terrestre e nos fundos marinhos, mas afirmando o cumprimento rigoroso das restrições ambientais; e admitindo uma diversificação da actividade turística e a necessidade de reduzir as emissões dos transportes, mas mantendo-a como um pilar essencial sem resolver as implicações negativas que a mesma tem em termos de pressão sobre as cidades, as áreas classificadas e sobre o território em geral.

Do mesmo modo, embora a visão estratégica insista numa gestão adequada dos recursos hídricos, a realidade é que admite novas barragens. Assim como reconhece que é fundamental uma economia circular mas sem dar a prioridade necessária à redução, redução, reparabilidade, mais do que à reincorporação de materiais provenientes da reciclagem.

Além disso, salienta a ZERO, o documento não expressa a crise do comércio de bens, que a pandemia veio provocar, com a crise ambiental e climática e com a necessidade de reterritorializar a economia, assumindo a necessidade de uma redução permanente dos fluxos de bens e o continuado crescimento da circulação de informação, ideias e conhecimento através das redes de comunicação globais.

Outro ponto destacado pela ZERO é relativo à pesquisa de minerais que, diz, ser defensável como forma de mapeamento dos recursos mas que levanta enormes problemas. Na prática, esclarece, o mapeamento é efectuado no âmbito de concessões privadas que ficam depois automaticamente habilitadas a avançar com a exploração e cujo investimento na prospecção só será feito se à partida a aceitação da sua viabilidade por parte do Estado for muito provável. Por isso, a ZERO afirma que insistir na sistemática e suposta contabilização de interesses, não demarca claramente linhas vermelhas onde os requisitos de salvaguarda ambiental são indispensáveis cumprir – veja-se ainda recentemente a possibilidade de exploração de lítio e outros metais em áreas classificadas em termos de conservação da natureza.

Outro aspecto ausente é o papel dado aos indivíduos e às famílias enquanto agentes promotores de uma economia sustentável. Como a ZERO avança, embora as empresas sejam o coração de uma economia, as famílias ganham progressivamente importância nos pequenos investimentos que, se não forem devidamente incentivados, constituirão oportunidades perdidas. E dá o exemplo do modelo de produção descentralizada de electricidade e do uso eficiente da energia (habitações e mobilidade privada), que é claramente preterido em favor do modelo maioritariamente centralizado e concentrado em poucos agentes do mercado. Por exemplo, as habitações e os veículos privados representam cerca de 50% do consumo total de energia final no país, pelo que é crucial tornar as famílias agentes do sistema energético, exactamente como se faz com que as empresas de oferta de energia.

Em suma, afirma a ZERO, o documento assenta numa visão estratégica já vigente que fica muito aquém das necessidades de políticas e medidas mais profundas e coerentes que garantam a sustentabilidade do desenvolvimento.

Foto: Reinaldo Garanito on Unsplash